Via Folha de S.Paulo/ Naná DeLuca
Não foram apenas discussões sobre satanismo, canibalismo, maçonaria e aborto que pautaram o debate eleitoral nas redes durante a primeira semana de campanha para o segundo turno. Outro termo emergiu: o “janonismo cultural”, centrado na figura do deputado Federal André Janones (Avante-MG) e sua participação na campanha de Lula (PT).
O “janonismo cultural” apropriou-se da estética da comunicação bolsonarista nas redes —caracterizada por montagens toscas, prints sem contexto, memes e difusão rápida —, além de assumir uma postura de ataque, saindo da posição reativa. Na roda, entram até conteúdos comprovadamente falsos ou distorcidos.
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“Muita gente fala de ‘janonismo’ como sinônimo de baixar o nível. Não é baixar o nível, é dialogar de acordo com as regras que estão sendo colocadas”, afirma Janones em entrevista ao #Hashtag. “O bolsonarismo desceu o nível da política. E agora a gente tem que combatê-lo. Para combater, essa é a única arma que a gente tem”, diz.
Em alusão às teorias da conspiração do “marxismo cultural”, termo muito usado por seguidores do guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho (1947-2022), o “janonismo cultural” é uma tática de guerrilha digital que, embora centralizada na figura de Janones, possui adesão orgânica de perfis e canais progressistas, segundo a cientista política Letícia Cesarino.
“Esse ativismo não chega no mesmo nível que vemos há muito tempo no campo bolsonarista, mas está jogando esse jogo, diferente da campanha eleitoral convencional, situando-se em outras redes e camadas”, conclui Cesarino.
Exemplo disso é o compartilhamento de materiais, a favor de Lula ou, simplesmente, contra Bolsonaro, em redes específicas, com o objetivo de atingir públicos determinados; consciência tática oriunda do próprio Janones, que resume: “Não adianta eu ficar falando no Twitter que vou aumentar o Auxílio Brasil, porque quem precisa do Auxílio Brasil está no Facebook.”
Na última semana, houve uma movimentação no Twitter para que progressistas passem a usar o WhatsApp Status para difundir vídeos.
Para Cesarino, as questões religiosas, como satanismo e maçonaria, surgiram a partir da percepção de que certos públicos, como os evangélicos, já foram “tão capturados pelo discurso e redes informacionais da direita bolsonarista que não há outra forma de entrar a não ser se utilizando de uma linguagem parecida, inclusive de temáticas”. “De certa forma, é usar o feitiço contra o feiticeiro”, conclui.
O “janonismo cultural”, assim, perturba a hegemonia quase absoluta que o bolsonarismo tem em determinados segmentos. Em outras palavras: fura a bolha.
O especialista em monitoramento e análise de redes Pedro Barciela afirma que essas pautas surgem de atores antibolsonaristas, “não são atores de esquerda necessariamente ou ligados à campanha petista”. Nas redes, a frente antibolsonarista engloba desde Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro (PL), até Sofia Manzano (PCB).
No entanto, Barciela ressalta que “furar a bolha” não é novidade em relação à atuação de Janones, que não depende do “janonismo cultural” para isso, já que tem no diálogo com diferentes grupos um de seus traços fortes na política. Quando observa com quem Janones interage nas redes, “não há uma filiação ideológica ou partidária”.
Esta é uma característica que, para o especialista, faz da atuação do deputado mineiro incomparável com a de bolsonaristas como Eduardo Bolsonaro (PL) e Carla Zambelli (PL), que dialogam apenas a partir de e para o bolsonarismo, “com método e maneira de articulação que vem sendo investigados por tribunais superiores”, diz.
“Janones explora o caos que é o antibolsonarismo e, em determinados momentos, explora declarações antigas de Jair Bolsonaro que acabam se perdendo no mar de ataques que profere”, conclui Barciela.
O próprio Janones concorda com esta interpretação: “O que me diferenciou de muitos que não voltaram à Câmara é que, ao contrário desses que negam a política, é porque não fui nessa onda da antipolítica. Eu sempre me policiei dizendo: eu não sou um digital influencer, eu sou um deputado que faz um trabalho na vida real e comunica nas redes sociais.”
Para Cesarino, a tática do janonismo cultural obriga “o ecossistema bolsonarista a responder a essa ação que vem de fora”. “Até então, eles tinham um controle muito grande não só interno, mas da interface entre seus públicos e o público convencional”, afirma a cientista política, “agora a gente vê eles tendo que responder e apelar para checagem de fatos”.
O “janonismo cultural” é muito criticado, inclusive por pessoas do campo progressista, pelo uso das mesmas táticas dos adversários. Janones é enfático na defesa da estratégia. “O tempo que eles gastam desmentindo as verdades que estamos lançando, estariam gastando para mentir. A gente não consegue competir, mas consegue minimizar o alcance nas redes, onde espalham as suas fake news”, diz.
Para ele, esse embate é, sem dúvida, prejudicial à democracia, porém necessária neste momento. “Eu sei dos prejuízos para a democracia, mas se esse é preço para salvá-la, eu estou disposto a pagar. Depois do dia 30, a gente vai ter quatro anos para discutir propostas.”
Se a tática será efetiva eleitoralmente, só o tempo e o estudo poderão dizer, “mas é até um bom estudo de caso, até em nível mundial”, conclui.