Por Alexandre Fonseca
Olá, fiquei longe por uns meses, é verdade. Só posso afirmar que voltei!
Estou aqui humildemente quebrando meu hiato, após me sentir entusiasmado para produzir uma nova publicação nesta “Coluna” que tanto tenho apreço. Iniciei esses dias, a leitura de um livro recém-lançado, apenas com a pretensão de obter conhecimento sobre a história, quando no meu leito de recuperação física (estive doente por semanas, tratando de uma inflamação no rim esquerdo), me veio a inquietação por escrever, mesmo com dores, as minhas impressões.
Nota em um pensamento: dias atrás, meu amigo jornalista Vonúvio Praxedes comentou que as dores me ajudariam a desenvolver a escrita. E não é que ele estava correto?!
Então… Vou dividir contigo, um bocado de sentimentos pela obra “O Menino que Enfrentou Lampião”, da jornalista e biógrafa Lúcia Rocha. Um registro de acontecimentos passados que transformaram o futuro da cidade de Mossoró, por intermédio da cultura, do empreendedorismo, das ações políticas e do cangaço.
Rodolfo Fernandes
O livro carrega como protagonista o prefeito que marcou a data 13 de junho de 1927. Foi numa segunda-feira intensa e tensa que Rodolfo Fernandes, ao lado de centenas de mossoroenses, expulsou Lampião e seu bando das terras protegidas pelas três igrejas. Essa é a narrativa popularmente disseminada, já o que está nas páginas do manuscrito, nem todo mundo sabe!
Fiquei extasiado! À medida que fui lendo, adquiri informações inestimáveis a respeito da cultura, dos hábitos e das curiosidades daqueles anos pretéritos. Exemplos: dos traços parentais para matrimônios (primo se casando com prima), da personalidade do próprio Rodolfo (embora ranzinza, muito solidário), das mudanças estruturais de Mossoró, da praça que hoje carrega o seu nome, antes denominada “6 de Janeiro” (título da rua em que passei minha infância). Dos costumes universitários, da valorização dos empreendimentos, dos atos políticos, das profissões e da própria educação, tendo em vista que saber ler e escrever te colocava em um status social superior.
Sendo sincero, criei uma identificação! Descobri que temos em comum a asma. Sim, temos! Pois, estou vivo e ele segue vivo nas memórias e em cada palavra impressa. Certo, vamos deixar minha reflexão de lado. É que Rodolfo Fernandes, quando em crise asmática, viajava direto para o município vizinho Tibau (cerca de 43 quilômetros de distância de Mossoró), com o propósito de se tratar, era o seu remédio. Em busca da cura do mar, eu diria. Fiquei surpreso por ser um costume meu também, quando estou com falhas na respiração e nos instantes em que as crises de ansiedade resolvem me assombrar. Práticas iguais, apenas separadas pelo tempo.
O Rei do Cangaço
Diversos trechos no tocante à figura de Lampião são revelados nos parágrafos do livro. Um homem adulto letrado, sabia ler e escrever, não alfabetizado totalmente, era semi, mesmo assim, produzia artesanatos, tocava instrumentos e até costurava suas próprias roupas. Muitíssimo religioso e compositor, acredita?! A escrita de Lúcia Rocha ainda confere esclarecimentos acerca do conceito por trás do “apelido” de Virgulino Ferreira e surpresas quanto às vestimentas dos cangaceiros.
Lampião entrou no cangaço após passar por tragédias familiares, opressão política, econômica e utilizar a vingança, a violência extrema, para amedrontar o sertão nordestino. Viveu botando medo até chegar no confronto com o povo de Mossoró e ser o alvo da valentia de seus inimigos. Importante se inteirar desses recortes históricos.
A literatura e suas magias
Vou consumindo cada página e, no meu imaginário, vão surgindo vislumbres de momentos que nem cheguei a presenciar. “O Menino que Enfrentou Lampião” me transportou diversas vezes para lugares que jamais pisei. Devido à consciência de mundo a mim atribuída, pude ser levado com a ajuda da imaginação. Me trouxe ainda, memórias da fase de criança, contadas pelos mais velhos. Tinha vagas lembranças do episódio envolvendo a chacina que tirou a vida do Rei do Cangaço e a exposição de sua cabeça pelo nordeste. É certo dizer que, durante a leitura, a gente vai fazendo análises e comparando com as versões dos relatos contados no decorrer da existência. A literatura se torna capaz de conduzir a mente para épocas que nem vivemos. Incrível tal sensação, tal poder.
Além disso, tenha a certeza de que vai nascer no seu subconsciente uma necessidade absurda de pesquisar pontos interessantes da jornada de Rodolfo Fernandes e do cangaço. O livro é repleto de referências preciosas. Acabei instigado e listei algumas para ler posteriormente. Me obriguei a assistir aos 14 minutos de imagens reais do bando de Virgulino, feitas pelo fotógrafo libanês Benjamin Abrahão, que esteve com os cangaceiros por alguns meses do ano de 1936. Aproveito e já poupo o seu trabalho, deixando logo abaixo o filme completo.
Filme “Lampião, o Rei do Cangaço” de Benjamin Abrahão.
Para Lúcia Rocha, jornalista admirável pelo seu trabalho e compromissada com a história de Mossoró, só diria que senti falta de o livro terminar com a figura principal, Rodolfo Fernandes, como nos parágrafos iniciais. Talvez tenha finalizado citando o cangaço, pela fama atingida por Lampião, ao longo dos anos, muito mais do que o prefeito de outrora, nosso líder resistente. “O Menino que Enfrentou Lampião” é um documento didático, fácil de ler, para qualquer público e que todo mossoroense deveria carregar. Estamos no segundo semestre de 2024 e afirmo com segurança: é o meu livro favorito do ano!
Nota em um pensamento de gratidão: obrigado minha amiga Emanuela de Sousa, por me emprestar a obra que teve a capacidade de despertar meu interesse pela escrita, após uns meses desanimado. A “Coluna Dilemas” vive, assim como eu!
E se, por acaso, lendo este texto, ainda não teve inspiração para devorar a obra que citei, assista à entrevista com a própria autora, concedida no programa “Meio Dia TCM”, da Rádio 95 FM e mude de opinião imediatamente.
Entrevista com Lúcia Rocha, autora do livro “O Menino que Enfrentou Lampião”.
Alexandre Fonseca é jornalista, cineasta, escritor, produtor cultural.
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