Por Nathália Rebouças*
Em artigo publicado na edição de domingo, 28, na Folha de São Paulo, o filósofo Luiz Felipe Pondé abordou um tema polêmico que envolve a abordagem do Transtorno do Espectro Autista (TEA) sob a perspectiva cinematográfica e das redes sociais. Uma crítica ao modelo romantizado que o cinema e a militância influencer abordam o transtorno. Bastou trazer o termo “hype” associado ao diagnóstico do autismo para uma enxurrada de críticas e notas de repúdio se multiplicarem nas redes.
A opinião tem uma perspectiva interessante. Primeiro traz como pano de fundo a série recente disponível no catálogo da Netflix, “Uma Advogada Extraordinária”. A série me parece tratar sobre um caso de uma advogada com autismo de altas habilidades, ou mesmo a Síndrome de Asperger, que a partir de 2013 foi enquadrada com o autismo em um mesmo diagnóstico. Digo me parece porque não vi. Mas muita gente me indicou. Isso porque sou mãe de uma criança de 9 anos diagnosticada com TEA e que certamente nada tem a ver com indivíduos com inteligência acima da média, que vivem focados em questões de resolução complexa e cujo o único problema – ou maior, seria a dificuldade de interação social.
Meu filho de 9 anos faz terapia, tem limitações sociais, de comunicação e as questões sensoriais atrapalham a concentração, a permanência em sala de aula e a contextualização quando envolve subjetividade e interpretação. Entre outras características que não cabem aqui citar. Não, meu filho não está no hype. Ele também não tem nada a ver com o “Good Doctor”, muito menos com o Sheldon de “The Big Bang Theory”. Nem com o Messi.
A imensa maioria das crianças e adolescentes com autismo não está no hype. Elas não são retratadas com qualquer verossimilhança nos filmes e séries que tentam abordar a temática.
Como se trata de um espectro, talvez seja mais interessante do ponto de vista comercial trazer personagens que estão em uma parte dele, a minoria absoluta, gênios, que apresentam algumas limitações, mas que têm uma vida perfeitamente normal. Talvez não seja interessante mostrar as investidas dos pais e responsáveis com planos de saúde para manter as coberturas das terapias, os profissionais que não apresentam clareza sobre o objetivo do tratamento realizado nas sessões, as crianças que não dormem, a medicação, a dificuldade de conseguir vaga para um profissional especializado.
Voltando ao artigo, a crítica é válida. A sociedade escolheu o otimismo. Despreza o cansaço, a preocupação e as imensas dificuldades das mães e cuidadores dessas crianças. A teoria da mãe geladeira é absurda, mas quem a critica também precisa ter cuidado para não incorrer em uma negação perigosa sobre aspectos humanos que, mesmo rejeitando, continuam existindo. O autismo é genético. Isso é incontestável. Mas não podemos continuar achando fofinhas as abordagens cada vez mais desonestas que não trazem qualquer contribuição para a representatividade da pessoa com autismo.
“Inteligência e memória de gênio são traços com grande vocação a ferramenta de alto valor de mercado no capitalismo”, escreveu o Pondé. Isso é verdade. Por isso esse tipo de filme e série não ajuda. Atrapalha. Porque as pessoas começam a criar expectativas superlativadas. Nossos filhos são como são. E o grande lance da neurodiversidade é parar de tentar impor modelos ou padrões a serem seguidos. Meu filho não é extraordinário. É só meu filho. E a militância da internet precisa aprender a interpretar texto.
*Nathália Rebouças é mãe de criança com autismo e jornalista.