Texto: NEXO Jornal/ Bruno Lupion
Foto: Acervo O GLOBO/ Custódio Coimbra
Os protestos de quarta-feira (15/05) contra cortes de verbas na educação anunciados pelo governo Jair Bolsonaro foram a maior mobilização de rua da gestão do capitão da reserva. Os atos ocorreram em cerca de 200 cidades das 27 unidades de Federação.
Com quatro meses e meio de mandato, o presidente reagiu aos protestos com desdém contra os manifestantes. Ao comentar os atos, Bolsonaro chamou as pessoas que haviam ido às ruas de “idiotas úteis”, de “massa de manobra” e de “imbecis”. O vice-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Jessy Dayane Santos, disse que a declaração do presidente demonstrava “desconhecimento e descompromisso com a educação do nosso país”. A entidade convocou novos atos para o dia 30 de maio.
No Congresso, o líder do Solidariedade na Câmara, deputado Augusto Coutinho (PE), afirmou: “Não tem como o governo se sair bem com tanta gente na rua e com o presidente falando uma coisa dessas”.
As manifestações de quarta-feira (15/05) tiveram grande presença de estudantes e professores. Um dos fatores que estimulou a mobilização foi uma fala do ministro da Educação, Abraham Weintraub, em 30 de abril, de que o corte de 30% das verbas discricionárias das universidades, inicialmente para apenas três instituições – UnB (Universidade de Brasília), UFBA (Universidade Federal da Bahia) e UFF (Universidade Federal Fluminense) –, era uma resposta à “balbúrdia” nessas instituições de ensino. Após reação negativa de diversos setores, o corte de 30% foi então estendido a todas as universidades federais.
Relembre abaixo como alguns dos presidentes da República que governaram no período pós-redemocratização respondiam publicamente às grandes manifestações realizadas durante os seus mandatos.
Collor diante dos cara-pintadas
O ex-presidente Fernando Collor enfrentou várias passeatas pelo seu impeachment no mês de agosto de 1992, quando seu mandato tinha dois anos e meio. Um elemento que fez engrossar as mobilizações foi o próprio Collor, que em discurso no dia 13 daquele mês de agosto, uma quinta-feira, pediu que a “maioria silenciosa” que apoiava seu governo saísse às ruas no domingo seguinte, dia 16, usando as cores da bandeira brasileira. Na sexta-feira, 10 mil pessoas protestaram contra o presidente no Rio de Janeiro. O mote dos manifestantes, que ficaram conhecidos como cara-pintadas, foi usar preto, para simbolizar o luto. No domingo, 95% das pessoas que protestaram no país vestiram preto, segundo o Datafolha.
Em 29 de setembro daquele ano de 1992, o plenário da Câmara votou por encaminhar o impeachment de Collor, por 441 votos a favor e 38 contrários. Itamar Franco, seu vice, assumiria o governo para completar o mandato sem que houvesse grandes atos contra ele.
FHC diante dos sem-terra
O presidente Fernando Henrique Cardoso enfrentou uma grande manifestação de rua em agosto de 1999. Era o oitavo mês de seu segundo mandato. Estava no poder, portanto, há mais de quatro anos e meio. A mobilização teve participação decisiva do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e ficou conhecida como a “marcha dos cem mil”, e ocorreu em um contexto de baixo desempenho econômico do país e agravamento de tensões sociais. O protesto também pedia que fosse aberto processo de impeachment contra FHC por conta do processo de privatização da Telebrás. O presidente classificou os manifestantes de “golpistas” e “sem-rumo”. O protesto reuniu cerca de 75 mil pessoas em Brasília, segundo projeção do jornal Folha de S.Paulo, e serviu de fator de desgaste para o governo.
FHC terminou seu mandato em 2002 com aprovação de 26% (respostas “ótimo” ou “bom”) dos brasileiros, e não conseguiu eleger seu sucessor.
Lula diante dos ‘cansados’
O governo Luiz Inácio Lula da Silva não enfrentou grandes protestos populares de rua. Mesmo com escândalos como o do mensalão, a popularidade do petista sempre manteve um bom patamar. O governo teve de lidar com movimentos isolados, como o movimento “Cansei”, em 2007, idealizado pelo hoje governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com apoio de empresários e alguns artistas. O ato organizado pelo movimento na praça da Sé, em São Paulo, reuniu cerca de 2.000 pessoas segundo a Polícia Militar.
Em um comentário indireto sobre o movimento, Lula disse que os ricos haviam ganhado muito dinheiro no seu governo e que eram os pobres que deveriam se zangar. O ex-presidente, que costumava atacar “as elites” em seus discursos, também afirmou que ninguém no Brasil sabia “colocar mais gente nas ruas” do que ele, fazendo referência às greves que comandou no ABC nos anos 1970 e 1980, ainda durante a ditadura militar (1964-1985).
Lula deixou o governo com aprovação recorde: 83% dos brasileiros considerava sua gestão “ótima” ou “boa”. E conseguiu eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, além de ter lançado outro afilhado político, Fernando Haddad, que em 2012 foi eleito prefeito de São Paulo.
Dilma diante dos maiores protestos
O governo da ex-presidente Dilma Rousseff enfrentou grandes manifestações, tanto no primeiro quanto no segundo mandato. A primeira onda se deu em junho de 2013. Originalmente, os manifestantes se opunham ao aumento no preço das passagens de ônibus, de R$ 3 para R$ 3,20. Aos poucos, no entanto, a pauta se ampliou para críticas à qualidade dos serviços públicos, à corrupção e aos gastos com a organização da Copa do Mundo de 2014 e com a Olimpíada de 2016.
A classe política foi atingida como um todo e a popularidade de Dilma, que era alta, despencou. Em resposta, Dilma fez um pronunciamento oficial em rádio e TV no qual propôs medidas e um pacto com governadores e prefeitos sobre saúde, educação, transporte e reforma política. A então presidente conseguiu recuperar parte da popularidade, foi reeleita, mas já no terceiro mês de seu segundo mandato as pessoas voltaram às ruas.
A vitória em outubro de 2014 foi apertada. E muitos eleitores que se opunham ao PT aproveitaram o clima de polarização da política para ir às ruas a partir de março de 2015. Partidos da oposição, como o PSDB, contestavam o resultado das urnas e sugeriam fraude. Em 2016, com o avanço da Lava Jato sobre o governo e com a economia já em recessão, houve uma nova onda de grandes protestos contra o governo. O impeachment era a pauta central. Um dos atos foi considerado a maior manifestação de rua do Brasil desde o movimento das Diretas Já, em 1984. As reações de Dilma mesclavam declarações de respeito às manifestações e acusações de golpismo de quem queria tirá-la do poder antes do fim do mandato. “Nas democracias, nós respeitamos as urnas, respeitamos as ruas”, disse a petista em março de 2016. Em um vídeo publicado no mês seguinte, Dilma afirmou que o movimento que defendia seu impeachment era “golpista”.
Dilma foi afastada do cargo em maio de 2016, acusada de manobras fiscais. Sua popularidade era de 13% e seu partido, o PT, enfrentava seu momento de crise mais agudo após 13 anos no comando da administração do país.
Temer diante da greve geral
O vice Michel Temer enfrentou protestos em setembro de 2016 em 25 estados e no Distrito Federal, já no início de seu governo. Questionado sobre as manifestações, ele afirmou que se tratavam de “grupos mínimos” e inexpressivos, e mencionou que os protestos contra seu governo estavam sendo marcados por depredação. Alguns dias depois, Temer mudou o tom, parou de minimizar os protestos e passou a afirmar que respeitava os atos da sociedade. Seu governo havia avaliado que o enfrentamento poderia levar mais manifestantes às ruas.
Em abril de 2017, centrais sindicais organizaram uma greve geral que esvaziou a região central de diversas capitais. Além do “Fora, Temer”, havia pressão contra as reformas trabalhista e da Previdência propostas pelo governo. O então presidente minimizou o movimento, dizendo se tratar de “pequenos grupos que bloquearam rodovias e avenidas”. Em maio de 2017, um protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência reuniu 45 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, com episódios de violência e depredação de prédios públicos. No dia seguinte, Temer publicou um decreto acionando o mecanismo de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e determinando que as Forças Armadas ocupassem a área. No dia seguinte, voltou atrás e revogou a medida.
Seu governo terminou aprovado por apenas 7% dos brasileiros. O ex-presidente Lula se lançou candidato para as eleições de 2018, mas foi impedido de concorrer em função de sua condenação em segunda instância na Justiça por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Lula foi substituído por Haddad, que perdeu no segundo turno para Bolsonaro, eleito com 55% dos votos válidos baseado em um discurso contra o establishment político.
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