Por Alexandre Fonseca
Ciclo de renovação com ares de empatia pelo próximo, não é mesmo? Será que a capacidade de projetar o “seu eu” no semelhante, pode ser aplicada a qualquer tipo de circunstância? Te respondo, infelizmente, que não! O ser humano é dúbio, volátil, imaturo e individualista. Claro, também pode ser o reverso de todas as descrições citadas. Nunca generalizo. Mas, por qual motivo estou fazendo tais alegações? Explicarei.
Uma das minhas leitoras (que vou chamar pelo nome fictício de Maria da Superação), resolveu dividir conosco episódios que marcaram sua vida durante a jornada de trabalho como zeladora de uma Unidade Básica de Saúde daqui de Mossoró/RN. Segundo ela, momentos que retratam claras formas de preconceitos e desrespeito.
Na linha do tempo tudo aconteceu bem antes da pandemia. Mãe, com filhos pequenos, gerava do serviço a sua fonte de renda familiar. Na época, sua rotina era extensa devido às responsabilidades com o bem-estar de pacientes e funcionários do Posto de Saúde e o emprego de auxiliar, em determinados dias, era enfrentado com a coragem e a força de uma super profissional. Eram nessas ocasiões, que se provava como uma mulher firme.
“As pessoas iam até o Centro de Saúde pra vender livros, perfumes, joias, roupas, diversas outras coisas. Passavam por nós, sentavam do nosso lado e só ofereciam os produtos aos médicos(as), enfermeiros(as), recepcionistas, menos aos zeladores”, inicia contando. “É como se os auxiliares de serviços gerais não tivessem dinheiro, não pudessem comprar nada daquilo”, ela acrescenta. Não bastasse o desapontamento provocado pelos eventos questionáveis, nossa personagem ainda experienciou outros.
“Davam bom dia a quem está atrás de um birô, por exemplo, mas, ao encontrar um ASG nos corredores da UBS, a maioria não te cumprimentava”, continua. Além disso, Maria revela que alguns dos próprios funcionários achavam que os zeladores eram seus empregados pessoais, quando, na verdade, “somos colegas, companheiros de trabalho e cumprimos até mais horas e mais funções que eles”, pontua. “Acham que a gente é uma extensão da casa deles e não é bem assim”, conclui sua fala. Uma vez foi transferida para uma Unidade de Pronto Atendimento e não deseja retornar nunca mais, justamente pela convivência com criaturas e situações embaraçosas.
Hoje, Maria da Superação é atendente de fisioterapeuta, foi promovida após um médico enxergar nela potencial para o cargo, no entanto, jamais esquece das suas primeiras experiências ocupacionais. Apesar da mudança, continuava aceitando convites para freelancers como auxiliar. Me relatou que sentia a invisibilidade fazendo parte do seu corpo, “não tinha reconhecimento, não nos viam”, disse. Já chegou a ajudar uma autoridade mossoroense, desesperada por uma vaga de exame e quando reencontrou o mesmo indivíduo no dia seguinte, foi ignorada por está exercendo a tarefa de copeira. “No momento em que eu estava servindo para algo, ele foi um doce comigo, quando me tornei a entregadora de café, esqueceu de mim, nem pra dizer um bom dia”, finaliza.
Na resolução dela, o poder e o dinheiro transformam as pessoas. O cargo que define a sua importância dentro da cadeia trabalhista. E é uma realidade muito triste, vivida por tantas outras Marias, tantas outras zeladoras e zeladores, mundo afora.
A estrutura moral da humanidade é falha em aspectos infinitos. Sempre haverá com o que se surpreender. É possível enxergar pouca evolução nos atos humanitários com o passar dos anos, arrisco dizer, que é uma percepção bem ampla. E sim, costumo ser radical mesmo em algumas afirmações. Vejo constantemente, comunidades sociais prontas para separar o outro pela cor, poder financeiro ou posição empresarial. Os anos se revezam, e ao que parece, não os traços decepcionantes.
Precisamos parar de permitir as discriminações, as hostilidades, os prejulgamentos e as intolerâncias. Iremos nos tornar o pó de areia que o planeta Terra usa para germinar sua continuidade. Então, qual seria o propósito disso tudo? Que mudemos e que seja possível absorver a compreensão do que significamos como seres humanos. Volte lá no início do texto e responda se você tem capacidade de projetar o “seu eu” no semelhante. Tem ou não?
Talvez o destino precisava de uma mulher forte, observadora e equilibrada, vivenciando o preconceito na pele, para que no futuro, recebesse voz em um espaço virtual de comunicação e contasse a sua histórica como um ato explícito da mais pura demonstração de como personalidades duvidosas existem.
“Eu queria ver um dia essas histórias numa matéria, as pessoas lendo, sabe?”
– Maria da Superação, 22 de agosto de 2020.
Aqui está, Maria! Um texto dedicado totalmente a você, no início de 2021.
Um abraço!