Hélio Schwartsman/Folha de São Paulo
O Congresso está tentando chantagear o governo, como assevera o general Augusto Heleno? Para responder, é preciso antes fazer uma digressão histórica.
Até meados da década, o Orçamento era a principal forma de fazer política no país. O Executivo propunha a peça, e o Legislativo a aprovava, após os parlamentares incluírem emendas que atendiam aos interesses de suas bases eleitorais. O Orçamento, contudo, consistia numa autorização para o governo gastar; a decisão de realizar ou não cada empenho e o ritmo de sua liberação eram controlados pelo governo.
Isso dava ao dirigente de turno uma ferramenta eficaz para construir maiorias parlamentares. Ele só liberava a emenda de interesse do parlamentar às vésperas de votações importantes, garantindo assim a fidelidade da base situacionista. Não era o melhor dos mundos, já que o sistema estimulava o chamado toma-lá-dá-cá em detrimento de uma análise de mérito dos projetos, mas funcionava.
A partir de 2015, porém, como bem mostrou Ranier Bragon, o Congresso, aproveitando-se da fragilidade do governo Dilma 2 e das administrações que a sucederam, foi aprovando regras que ampliaram seu protagonismo. O destaque foram mudanças que tornaram o Orçamento impositivo e não mais autorizativo. No plano teórico, faz sentido. Parlamentos surgiram justamente para controlar os gastos do monarca. De mais a mais, essa é a prática nas democracias avançadas.
Ficou, porém, mais difícil para o Executivo impor sua agenda ao Parlamento, o que seria natural num regime presidencialista. As engrenagens estão, portanto, de algum modo girando em falso. O problema, creio, está mais nas debilidades do Executivo do que no desenho institucional. O governo, afinal, ainda detém uma caneta poderosa, que lhe asseguraria em tese o poder de iniciativa. Não consegue usá-la porque Bolsonaro se recusa a fazer política —o que tende a ser fatal.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”.