Via Sasha Alves*
Os boletins de urna estão sobre a mesa, o resultado apurado. Fim de mais uma eleição dos Conselhos Tutelares do país. O pleito em que se decidiu quem serão as pessoas que receberão da sociedade a grande incumbência de, pelos próximos quatro anos, zelar pelos direitos de nossas crianças e adolescentes, especialmente quando elas se encontram em situação de risco.
Foi minha 7ª eleição para o Conselho Tutelar como Promotor de Justiça. E, portanto, com já certa bagagem neste tipo de eleição, olhando para trás, para poder olhar para frente, não me deixa de vir à memória a paráfrase da letra da música A Casa, do nosso “Poetinha”, Vinícius de Moraes: era uma eleição muito engraçada… Não tinha Justiça Eleitoral, não tinha nada (ou tinha muito pouco)… Não tinha todas as urnas eletrônicas possíveis (mas teve muita fila longa para os eleitores, que ficaram mais uma vez (que nem ficaram em 2015) horas de pé no sol escaldante do semiárido nordestino, esperando para votar); não teve Poder Judiciário organizando nada (mas teve muitos voluntários dos municípios se virando nos 30 para tocar um barco difícil de dirigir); não teve Poder Legislativo prevendo “pena de reclusão de 04 a 06 anos para o transporte irregular de eleitores” (mas teve muita gente disposta a usar essa omissão na lei em proveito da sua própria má-fé)… Temos, pois, no país – sem pedir perdão pelo trocadilho –, uma eleição “menor” (remetendo aqui à doutrina do Menorismo, calcada na lógica do “apagar fogo”, de só lidar com as causas dos problemas afetos à infância, mas não com as suas raízes sociais).
As eleições para o Conselho Tutelar são e continuarão sendo um retrato incômodo – vez que fidedigno – de como o nosso país trata nossas crianças e adolescentes: elas são mesmo prioridade para nós, para valer, ou são só retórica, jogo de cena política nos palanques e gabinetes empolados da vida?
A Constituição determina, em seu artigo 227, que crianças e adolescentes são a prioridade absoluta em nosso país (e se o leitor, ao ler isso, pensa: “lá vem o chato da prioridade absoluta”, provavelmente o erro está não em quem lembra isso, mas em quem acha esse artigo maçante). E o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente desdobra esse conceito para dizer que a prioridade absoluta envolve, entre outras coisas, a “destinação privilegiada de recursos”. E, como a lei não se refere a um determinado tipo de recurso, entram na “destinação privilegiada” todo tipo de recurso: humanos, financeiros, orçamentários, de planejamento, de tempo, de afeto etc.
Mas… Estamos no Brasil e, como bem cantou Renato Russo, “ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”. Aí, Brasil, fica difícil imaginar um futuro mais alvissareiro para ti…
Contudo, idealista que sou (com as vantagens e desvantagens de assim o ser), faço a inflexão de trazer à memória o que me dá esperança, e, assim, fica meu reconhecimento a todas aquelas pessoas que, neste 06 de outubro de 2019, fizeram do improvável uma possibilidade e foram para a linha de frente dos locais de votação nas metrópoles e rincões do país, para assumir historicamente o protagonismo pelo rumo desta jangada de pedra chamada Brasil, garantindo o andamento desta eleição, invisível para muitos de nossos governantes.
Minha honra a todos os conselheiros dos direitos da criança e do adolescente do nosso país, a todas as equipes dos Ministérios Públicos dos Estados que caíram em campo e a todas as equipes da Polícia Militar e das Guardas Municipais que prestaram seu valoroso apoio ao pleito. É com esse tipo de gente – não propriamente pelo cargo que ocupam, mas pela disposição que têm de servir e “laborar com” (colaborar) – que, acredito, se pode fazer a melhor das nações que poderemos vir a um dia ser.
*Sasha Alves do Amaral é Promotor de Justiça